domingo, 29 de agosto de 2010

(?)

Mais uma sombra que passa
entre um e outro vento
varre do meu pensamento
todo intento e toda graça

Mais um brinquedo vão
uma onda passageira
viagem sem rota certeira
que cabe na minha mão

Mais um momento assim
em que descanso meus medos
e invento outros segredos
que não me escondem de mim

Mais uma máscara pinto
para fingir que estou vivo
para abafar o meu uivo
finjo que não sinto e sinto

Mais uma peça em cena
e um nó que não desato
não estou em nenhum ato
sou a platéia que encena

sábado, 28 de agosto de 2010

História Pessoal

Que as máscaras todas são óbvias
já sei
O engano da máscara ao seu dono
deixei
A linha do meu intento, às claras
tracei
À beira do abismo do medo, pra isso
andei
Para as profundezas escuras, sem pejo
olhei
Sabendo dos riscos da queda, nem penso
pulei
Mas um fio salva-vidas à outra margem
lancei
Se ter de acreditar é a regra, sim
acreditei
Não no que vi e ouvi, mas no que
desejei
Com toda a verdade e pureza, de ingênua
brinquei
Conhecendo bem e mal, ainda assim
me dei
Ninguém pode dizer, nem mesmo eu
que errei
Erra quem não ousa nunca, do contra
ousei
Se tudo é perdido com isso, eu ganho
mudei
Minha consciência cresce naquilo que
amei
Com meu poder nas mãos, os dados
lancei
Nem um pouco importa se ao fim ri
ou chorei

terça-feira, 22 de junho de 2010

Meus Versos

meu peito atado em seus nós
sua dor contida transborda
palavras e frases de pó
meus versos são versos de mágoa

meu peito rasgado se mostra
nu sem pudores palpita
palavras e frases, torrentes
meus versos são versos de água

meu peito queima, se embrasa
se inunda de vida e calor
palavras e frases de fogo
meus versos são versos de amor

meu peito se fere em espinhos
se arranha e sangra em cascatas
palavras e frases de fel
meus versos são versos de dor

meu peito se muda em segundos
de um lado a outro do mundo
palavras e frases tão vãs
meus versos são versos de vento

meu peito fala ao mundo
mesmo que o mundo não escute
palavras e frases de alma
meus versos são versos de intento

meu peito fala ao universo
e ao falar ele responde
palavras e frases, magia
meus versos são versos de encanto

meu peito reflete o infinito
e nele o infinito se encontra
palavras e frases de um Todo
meus versos são versos meninos

meu peito me fala de mim
me ordena na vida e destino
palavras e frases, caminhos
meus versos são versos de um hino

segunda-feira, 22 de março de 2010

Dentro de mim mora ela, a criança
Que fui e que sou, e a esperança
De que ela um dia em mim prevaleça
Pois, antes que eu me esqueça

Dentro de mim também mora ela, a besta
Horrível que sou e que me faz funesta
Como um segundo eu que me habita
Fazendo da criança a morada maldita

Por onde passa o horror dos meus fantasmas
E que me mostra na sombra os miasmas
A escorrer das minhas cicatrizes
E mesmo em seus momentos mais felizes

Não há como proteger minh'alma pequenina
Do que ela mesma pariu, que é minha sina
Esta besta imensa que a persegue afora
Cobrindo de pavor e sombra sua terna hora

E, se mais em amor minha criança brilha,
Mais em ódio a besta ruge e trilha
Ao seu lado, como contrapeso seu
E me dói saber que ambas sou eu

E se em amor a criança minha resplandece
Igualmente em ódio a besta em mim cresce
Porque não há entre um e outro diferença
Senão na alma de quem faz de um deles sua crença

E não sei se ela, a criança, que já estava em mim
Ficará para sempre viva, ou se no fim
A besta por ela produzida, que me abomina
Calará para sempre minha alma de menina

Por mais que eu pense não encontro um jeito
De desfazer o que em mim já está feito
Se a besta mata a criança, por deus, nem pense...
Se a criança mata a besta, a besta vence!

sábado, 27 de fevereiro de 2010

alinhavo nossos momentos com a linha do imaginário
um assombro a cada ponto e um suspiro em cada arremate
meu coração tem um saber que é centenário
mas meu saber vão nem sequer a seus pés bate

meu coração sabe ser teu ou ser de qualquer outro
e sabe sê-lo com entrega inteira e sem pedidos
mas o que sei me diz que perco quando o dou, a ponto
de ver meus sonhos e meu próprio coração perdidos

e a linha fina com que a mim mesma me costuro
a reparar o que, ao fim, não foi rasgado
é de uma chama que se acende em meu escuro

quando meu coração fala ao meu saber silenciado
e ele me diz com sábia voz de doce augúrio:
te entrega mais, que não há mais do que o que é dado

sábado, 30 de janeiro de 2010

0 (ZERO)

é preciso saber usar
qualquer coisa a seu favor
é preciso aceitar a dor
e voltar a caminhar
mesmo sob a própria sombra
é urgente ressucitar
cada vez que um eu morrer
e voltar a perceber
o poder que nos assombra
é preciso estar à sós
e atento a cada voz
pra escutar o que não fala
necessário é permitir
que a besta possa emergir
pra revelar sua força
do fundo da sua fraqueza
deixar fluir a certeza
da única voz que não cala

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

APRESENTAÇÃO

Meu nome não digo mais
Como fiz tempos atrás
Em que andava distraída

Deixo a alma nua à mostra
A quem quiser olhar a ostra
Que se abre oferecida

Como Shakespeare dizia
Com sua sábia poesia
O que é um nome afinal?

Meu coração apresento
É espaçoso aposento
Nele só não cabe o mal

A quem o quiser conhecer
Não precisa nem bater
Basta dar a senha certa

Não tem porta esta pousada
Pra fazer dele morada
Para em frente e diz "Desperta!"

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

MORTE

caminha ao meu lado, mas sem pressa
de chegar, pois és o que me resta
a companheira certa no caminho incerto

e não te prives de tocar-me o ombro
a me lembrar e me causar assombro
com tua mão que está sempre por perto

impulsiona meus pés, mas devagar
pois é para ti que estou a caminhar
em meu caminho vasto e tão deserto

sem tua companhia aqui presente
a recordar que estás sempre iminente
já estaria eu morta sem sequer saber

é o teu sopro frio que me anima
embora tu me atraias feito ímã
rumar a ti é o que me faz viver

não quero apagar-te do meu pensamento
para andar mais viva a cada movimento
e enfim lançar-me em teus braços pra morrer

XXV

Quem é esse que caminha
Soberano e estrangeiro
Feito rei exilado pelos meus sonhos

Quem é esse que marca meu corpo
E circula em meu desejo
Com a embriaguez da poesia

Quem é esse que me assombra
Fantasma e exorcista
Rondando minha noite vazia

Quem é esse que me invade
Posseiro da minha alma
Domador dos meus sentidos

Quem é esse que me falta
Mais que a água ao deserto
Contorcendo minhas vísceras de ausência

Quem é esse que sopra
A vida em minhas narinas
Feito um deus que me ordenasse respirar

Quem é esse estranho que tanto sei
Dentro de mim
Feito a parte que faltava à minha integridade

Quem é esse que antes de eu nascer
Já me tinha cativa
Selada para ele onde quer que eu fosse

Quem é esse fragmento
De eternidade
Onde me completo e me desfaço

Quem é ele

XXIV

dentro da tua presença eu permaneci, imóvel
de tamanho espanto
e caminhei com minha pele por teu abraço
à exaustão dos poros
fatiguei as mãos insaciáveis do teu contato
derramei as vestes da minha história em busca
do teu gosto com os sete sentidos
rasguei meu peito em recolher-te todo
para dentro de mim
desejei gravar-te em minhas veias pela eternidade
e quis que cada parte do meu ser guardasse nítida
a memória de quem és
a sensação de quem somos
e com a fome de quem atravessou doze desertos
em direção à tua fonte
provei à larga o bálsamo destes olhos
converti em lábios todos os meus órgãos
reverti o tempo e voltei ao antes de nós dois
e após enfim o êxtase de ser-te a tal ponto
que apaguei de mim quem jamais fui sozinha
acordo ainda embriagada
inteiramente dilacerada
chorando ainda de prazer

EU

Da treva profunda dentro do meu ser
Vejo luminosa sombra a alvorescer
E como no espelho alvo do assombro
Identifico ao mirar, por sobre o ombro
O meu próprio eu dentro de um outro ser

E esta criatura estranha que me habita
De similaridade quase infinita
Sou eu, um outro eu, com outra poesia
E, olhando a mim mesma, numa análise fria
Uma idéia se fixa, faz meu corpo estremecer

Esse outro ser que vive em mim é tão diverso
Que viver o que for me parece perverso:
Não sei qual, de mim, sou eu à vera
E em cada alvorescer de primavera
Jamais saberei se sou eu mesma a viver.

(Serei espectadora do meu próprio ser?)

XVIII

A morte que se teme é uma quimera
E se não fosse seria um presente
Eternizaria a todas as criaturas
Com a solenidade do seu momento
Com a sua presença inevitável
Mas esta morte não existe
Existe uma outra morte, essa sim
Fria e estática como geleira
Dura e imutável como o tempo
A morte
É o escudo de amargura
Com que o doce se traveste
É o silêncio indiferente
Do que transborda
É a vontade sufocada
Pelas mãos do medo
É o esquecimento absoluto
Por parte daquele a quem se ama
É a espera de uma vida inteira
Pelo que chegou quando nascemos

XVIIII

Ela: palavra que me exaspera
não por alguma querela
nem porque queira sê-la
mas por eu ser a outra

ESPERA

O vento traz-me presságios, vaticino
E qual o som do mais doce dos sinos
Meu ouvido capta o uivo frágil desta hora
Em meu transe derradeiro vejo luzes
E o tempo entre eu e elas são mil cruzes
A me torturar com sua atroz demora

Vejo inevitável destino de delícias
E acalentada por tantas e tão ternas carícias
Minha alma espera aflita no calor do inferno
Adivinho e vislumbro um paraíso em vida
E embora saiba que para encontrá-lo não há saída
Estou à mercê dos caprichos de um tempo eterno

As horas passam, e os dias, e os anos
E embora cerquem-me os desenganos
Tal profecia mais me persegue e mais insiste
E quanto mais a busco na alegria da certeza
Tanto mais o tempo, em sua serena avareza
Molda em mim a escultura de um anjo triste

A cada dia que nasce e a cada passo
Silenciosamente eu sei que traço
O caminho entre a maldição e a sorte
E na jornada insana o que mais me apavora
É pensar se esta ventura tanta que tanto demora
Não há de vir somente com a morte

DES(A)TINO

Diante da fogueira incandescente
Vejo o tempo em luz iridescente
Sorrindo a maldição de tantas eras
E me aprisionam garras de mil feras
Para que observe tudo o que se passa
E veja a alegria e a desgraça
Passiva e arrebatada de agonia
A assimilar toda a sabedoria
Do mesmo tempo que liberta e mata
Como se fosse o homem a barata
Que o tempo caça e esmaga com prazer
Com o qual faz o que lhe apraz fazer
Vejo o Senhor Absoluto Tempo escarnecer
Do homem que em sua vaidade quer crer
Ser ele o senhor absoluto da matéria
E vejo o tempo reduzi-lo à miséria
Sem que ele possa ao menos reagir
O homem passa e o tempo volta a emergir
De si mesmo, em ciclos infinitos
E embora o homem brade com seus gritos
A soberania que acredita sua
O tempo, apenas com a presença nua
Desmancha toda a ilusão desta vaidade
Estático em seu lugar, em sua serenidade
Diante da fogueira imensa onde assisto
Como num filme horrendo de Mefisto
O tempo agir em tudo e a tudo desfazer
Ouço a própria voz do tempo a me dizer

“O que me vês fazer com a arrogância
Do homem que nada vê senão ganância
Ao querer ser senhor e ter de curvar-se a mim
Não passa de uma ironia sem fim
Por isso rio tanto sem poupar a nada
Porque o destino faço eu, desta jornada
Mas a mim quem faz sem disto ciência
É o próprio homem, em sua demência
Que tanto acredita no que produz
Que carrega-me resignado feito uma cruz
Quando podia libertar-se sabendo disto
Que é ele quem me cria, não existo”